quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sobre a campanha do SIMERS (Loucura é a falta de leitos psiquiátricos)


























Sobre a campanha do SIMERS (Loucura é a falta de leitos psiquiátricos)

Vanessa Soares Maurente


Tendo estado envolvida com as discussões sobre as políticas públicas em saúde mental nos últimos anos, senti a necessidade de fazer alguns esclarecimentos:A campanha “Loucura é a falta de leitos psiquiátricos” , organizada pelo SIMERS e lançada nas ruas da cidade esta semana merece uma análise cuidadosa por abordar de forma parcial um problema gravíssimo, que é a crise atual dos serviços de saúde mental.

O texto da campanha afirma que a falta de leitos psiquiátricos: 1) é resultado da efetivação da Lei da Reforma Psiquiátrica e 2) é o motivo da crise na saúde mental. Ambas as afirmações estão equivocadas. Em relação à primeira delas, a Lei da Reforma Psiquiátrica não define a extinção dos leitos psiquiátricos. Ela define a extinção dos manicômios, a gradativa substituição da internação nestes locais para internação em hospital geral e a construção de uma rede de atenção integrada à saúde mental:

Art. 2.º A reforma psiquiátrica consistirá na gradativa substituição do sistema hospitalocêntrico de cuidados às pessoas que padecem de sofrimento psíquico, por uma rede integrada e por variados serviços assistenciais de atenção sanitária e sociais, tais como: ambulatórios, emergências psiquiátricas em hospitais gerais, unidades de observação psiquiátrica em hospitais gerais, hospitais-dia, hospitais-noite, centros de convivência, centros comunitários, centros de atenção psicossocial, centros residenciais de cuidados intensivos, lares abrigados, pensões públicas e comunitárias, oficinas de atividades construtivas e similares (LEI ESTADUAL 9716/92).

Ainda:

Art. 4.º Será permitida a construção de unidades psiquiátricas em hospitais gerais, de acordo com as demandas loco-regionais (LEI ESTADUAL 9716/92).

Art. 5.º Quando da construção de hospitais gerais no Estado, será requisito imprescindível a existência de serviço de atendimento para pacientes que padecem de sofrimento psíquico, guardadas as necessidades de leitos psiquiátricos locais e/ouregionais (LEI ESTADUAL 9716,92).

Para uma pessoa que não conhece a Lei, ou seja, para a maioria das pessoas, a campanha organizada pelo SIMERS pode ser desinformativa. Por isto, precisamos ficar de olho: todo o cidadão tem o direito de saber sobre a legislação que rege o sistema de saúde do qual ele é usuário de forma imparcial.

Em relação à segunda afirmação da campanha, de que a falta de leitos psiquiátricos é o motivo da crise na saúde mental, é importante trazer para o debate o fato de que as dificuldades no atendimento às pessoas em sofrimento psíquico grave não se deve somente à falta de leitos, mas a uma falta de investimento generalizada, que inclui, principalmente, a precarização dos CAPS (Centros Integrados de Atenção Psicossocial) e de toda a rede substitutiva ao manicômio. Sendo assim, as dificuldades não se devem ao fato da Lei existir, mas sim ao fato dela não ser efetivamente implementada.

Deste modo, temos que tomar cuidado para não confundir os problemas. Exigir que o hospital psiquiátrico volte a ser o lugar de referência à saúde mental (como propõem a campanha) pela falta de outros serviços de dêem conta do sofrimento psíquico é o mesmo que resgatar os leprosários pela falta de medicação para hanseníase do no posto de saúde.


3 comentários:

Anônimo disse...

Acho muito importante esse comentário sobre a campanha do SIMERS.
Também acho que é hora de conscientizar a população sobre a Reforma Psiquiátrica. Espero q o espaço desse blog seja usado para isso.

Anônimo disse...

Quando se trata de um assunto delicado e negligenciado pelas autoridades "responsáveis", é importantíssimo que se abram cada vez mais espaços de discussão. Como já percebemos em nossa cidade (Araras), a Reforma já está carecendo de uma nova Reforma, em virtude da precariedade dos serviços substitutivos (Caps), da total falta de interesse dos profissionais inseridos nestes instrumentos, assim como a imparcialidade com que nossa instituição de ensino trata esta questão. O movimento é construído todos os dias! Abraços!

Anônimo disse...

Realmente é impressionante a falta de informações das pessoas...Precisamos urgentemente divulgar a Reforma Psiquiátrica, e com urgência para que esta violência silenciosa e não vista pare de acontecer!